Grande parte dos desafios da humanidade não se resolve eficazmente no plano interno. Reclamam o agir conjunto dos Estados nacionais as emergências ambientais, o subdesenvolvimento e a fome, a difusão de armas de destruição em massa, o terrorismo, a lavagem de dinheiro e o crime organizado.
Com o enfrentamento à corrupção não é diferente. Cada Estado deve desenvolver estratégias e métodos para preveni-la e combatê-la, fornecendo meios adequados aos seus órgãos policiais e judiciários. Mas isso é apenas o básico.
Estreitadas as fronteiras globais por meio do aperfeiçoamento das comunicações, do desenvolvimento dos sistemas financeiros e dos transportes de bens, valores e pessoas, as repercussões da criminalidade organizada também assumem caráter transnacional.
Quem lucra com a corrupção busca, em seguida, negócios com o objetivo de disfarçar a fonte e os fundos obtidos. Bem por isso, fóruns internacionais têm estimulado a adoção de medidas de cooperação tendentes a coibir práticas de lavagem de dinheiro.
Embora não seja entidade integrante do sistema de justiça, o Banco Central do Brasil está atento a essa realidade e vem trabalhando, dentro de suas competências, pela efetividade do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro, considerando as melhores práticas internacionais, em especial as Recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI), cuja integração ao nosso ordenamento decorre de compromissos internacionais.
As Recomendações são parâmetros para a edição de leis e regulamentos, e orientam os órgãos de apuração e persecução penal e administrativa, incluindo o Judiciário. A aderência às Recomendações fomenta a integridade no setor público e protege contra abusos as instituições do setor privado.
Nas últimas décadas, muito se avançou no Brasil no âmbito do sistema financeiro mediante fiscalização e imposição de deveres às instituições financeiras sobre prevenção e combate à lavagem de dinheiro, valendo destacar a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e o estabelecimento, a inúmeros agentes econômicos, de obrigações de identificação dos clientes, análise de transações financeiras e comunicação de operações suspeitas, na forma da Lei nº 9.613, de 1998.
Sob a diretriz dessa Lei, o Banco Central tem editado regras para obrigar as entidades supervisionadas ao cumprimento de preceitos antilavagem.
A Circular nº 3.461, de 2009, vinha cumprindo esse papel. Todavia, inovações tecnológicas e a oferta de novos serviços e produtos, especialmente por meio eletrônico, tornaram essa norma defasada, ainda mais se considerada a consolidação das Recomendações do GAFI em 2012 e a ampliação de seu escopo para alcançar medidas de combate ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.
Assim, após consulta pública e interlocução com o COAF e outras instituições estatais, o Banco Central editou a Circular nº 3.978, em vigor desde 1º de outubro de 2020, que incorpora à sistemática de prevenção à lavagem do dinheiro e ao financiamento do terrorismo o princípio da Abordagem Baseada no Risco e as demais atualizações efetuadas pelo GAFI.
Com a nova regulação, menos prescritiva e mais principiológica, o cumprimento das obrigações pelas entidades supervisionadas e a fiscalização a cargo do Banco Central tornaram-se mais complexas, exigindo inteligência e investimento, mas se espera que induza a maior assertividade na apuração e repressão dos ilícitos associados à lavagem de dinheiro, de modo que nosso País venha a se destacar entre aqueles que contribuem no grande concerto cosmopolita contra a criminalidade transnacional.
*Marcel Mascarenhas dos Santos, advogado e um dos autores do livro Carreiras Típicas de Estado – Prevenção e Enfrentamento à Corrupção sob a Perspectiva Internacional
*Pablo Bezerra Luciano, procurador do Banco Central e um dos autores do livro Carreiras Típicas de Estado – Prevenção e Enfrentamento à Corrupção sob a Perspectiva Internacional
Fonte: Estadão