Ministério da Saúde acredita que pode haver epidemia se a situação não for contida; recomendação é evitar bebidas de origem duvidosa
O consumo de bebidas adulteradas com metanol já provocou uma morte confirmada e outras quatro sob investigação no estado de São Paulo, além de cinco casos confirmados de intoxicação e 17 suspeitos em análise, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde. Só em São Bernardo do Campo, foram registradas duas mortes, uma delas já confirmada pela substância.
O R7 ouviu médicos de especialidades relacionadas às partes do corpo onde o metanol provoca mais danos — visão, sistema nervoso e infectologia —, para explicar os riscos, sintomas e as orientações de como agir em caso de suspeita de ingestão.
Como identificar e quando procurar ajuda
Apesar dos esforços de investigação, especialistas alertam que não há meios caseiros para detectar a presença de metanol em bebidas.
A infectologista Jéssica Fernandes Ramos, do Hospital Sírio-Libanês, explica que o líquido é incolor, com gosto e cheiro semelhantes ao etanol, o que torna impossível diferenciá-lo a olho nu.
“Os testes confiáveis exigem análise em laboratório, como a cromatografia, ou kits específicos de vigilância sanitária. No momento, a recomendação é evitar bebidas destiladas de origem duvidosa”, afirma.
Os sintomas iniciais podem ser confundidos com os de uma ressaca comum. Náusea, vômito, dor abdominal intensa, cefaleia e embriaguez desproporcional à quantidade ingerida devem servir de alerta. Casos mais graves incluem visão turva, manchas no campo visual, fotofobia (aversão a ambientes claros), respiração acelerada, confusão mental e até convulsões.
Jéssica também ressalta que o intervalo entre o consumo e o início dos sintomas pode levar de poucas horas a um ou dois dias.
“Nesse período, os sintomas iniciais podem ser confundidos como os de uma ressaca ou de um consumo exagerado de álcool comum”, observa.
Impactos na visão e no sistema nervoso
Segundo os oftalmologistas Gustavo Bonfadini e Stefânia Diniz, o metanol, após metabolizado pelo fígado, gera compostos como o ácido fórmico, responsáveis por lesões irreversíveis no nervo óptico e na retina.
Mesmo pequenas doses podem causar cegueira permanente. “O prognóstico visual é geralmente desfavorável, principalmente quando o tratamento não é iniciado rapidamente”, ressalta Bonfadini.
Stefânia Diniz frisa que apenas 10 ml do metanol já é suficiente para causar a cegueira irreversível. “Na suspeita, levar imediatamente ao hospital para exames e início do tratamento. No pronto-socorro, iniciaremos o protocolo para neutralizar a substância e evitar maiores consequências”, orienta.
O neurologista Cássio Lacerda, do Hospital Moriah, lembra que o principal alvo do metanol é o cérebro.
“Além do risco de perda da visão e de movimentos, o acúmulo de ácido fórmico no sangue gera uma intoxicação chamada acidose metabólica. Isso desestabiliza todo o funcionamento do organismo, causando respiração acelerada, queda do nível de consciência e risco de falência de vários órgãos. É uma intoxicação grave que exige tratamento imediato em UTI.”
O que diz o Governo Federal
A gravidade da situação levou o governo federal a abrir investigação sobre a origem e a distribuição dos produtos.
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O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciou em coletiva na manhã de dessa terça-feira (30) a abertura de um inquérito pela Polícia Federal. A corporação irá apurar a origem e a distribuição das bebidas adulteradas, uma vez que há indícios de que o problema se espalhe para além de São Paulo.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, apontou que a alta de notificações no estado paulistano já representa um comportamento epidemiológico. “Normalmente, os casos de intoxicação por metanol no Brasil estavam associados a pessoas em situação de rua, que vão atrás do metanol vendido como combustível, ou pessoas numa ação de autoagressão”, salientou.
Recomendações
Os médicos reforçam que, diante de qualquer suspeita, a recomendação é procurar atendimento hospitalar imediato. O tratamento pode incluir o uso de antídotos específicos, como fomepizol ou etanol, além de hemodiálise para retirar os metabólitos tóxicos do organismo.
A Secretaria da Saúde de São Paulo recomenda que bares, restaurantes e outros estabelecimentos que comercializam bebidas verifiquem cuidadosamente a procedência dos produtos fornecidos.
A pasta alerta ainda que a população deve comprar apenas bebidas de fabricantes legalizados, com rótulo, lacre de segurança e selo fiscal, evitando produtos de origem duvidosa para prevenir casos de intoxicação que podem colocar vidas em risco.