O projeto de lei original do GDF tinha 18 artigos com objetivo de aumentar a arrecadação, e deputados incluíram mais nove itens
A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) incluiu um “jabuti” dentro do projeto de lei do Refis 2023. O artigo beneficia um único setor da economia: o de atacadistas e distribuidores.
O termo “jabuti” é usado quando parlamentares se valem de um projeto de lei para incluir, de maneira discreta, algum interesse destoante do escopo da proposta original.
A Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), planeja entrar com ação judicial para tentar barrar essas emendas.
O objetivo do GDF, com o Refis 2023, é incentivar os cidadãos e empresas que têm débitos com o governo a pagar a dívida. A proposta prevê entrada à vista de 10% do valor para aumentar a arrecadação do DF, que está em queda desde o início do ano.
Porém, durante a discussão na CLDF, deputados distritais acrescentaram mais nove artigos e aprovaram o projeto no último dia 3 de outubro.
O artigo 19, de autoria de deputados do PT, torna sem efeito todos os autos de infração emitidos para atacadistas e distribuidores que não recolheram ICMS como deveriam, no período de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2021. Ou seja, os empresários receberiam anistia e ficariam livres das multas e outras sanções decorrentes da infração.
A bancada do PT é formada pelos deputados distritais Chico Vigilante, Ricardo Vale e Gabriel Magno. O último disse que, embora conste o nome dele na emenda, não assinou o documento por não concordar com os benefícios.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão responsável por permitir benefícios fiscais envolvendo o ICMS, autorizou a criação do Refis 2023, após articulação do GDF. O problema é que o Convênio ICMS Nº 116/2023 permite a remissão parcial de débitos fiscais e anistia parcial de multas e juros por parte do GDF, mas não prevê nada sobre extinção dos autos de infração.
Na justificativa da emenda que incluiu o artigo 19 no projeto do Refis 2023, os parlamentares disseram que o objetivo da medida é “resolver os problemas oriundos daquelas hipóteses em que a pessoa jurídica tenha sido desenquadrada da sistemática de apuração do ICMS pela Lei nº 5.005/2012 e, posteriormente, reenquadrada pela Secretaria de Fazenda”.
“No período de desenquadramento, a sistemática comum acabou por gerar créditos tributários. A medida se torna necessária porque, além de o setor atacadista do Distrito Federal enfrentar forte concorrência dos atacadistas do estado de Goiás, os débitos tributários gerados com o desenquadramento tornam provável a necessidade de fechamento do negócio e consequente aumento do desemprego no DF”, afirmou.
R$ 37 bi a receber
A Secretaria de Fazenda do Distrito Federal (Sefaz-DF) disse que a dívida ativa atual que contribuintes têm com o GDF é de R$ 37,4 bilhões, e a parcela de maior valor é referente ao ICMS.
Porém, a Sefaz-DF se recusou a informar quais os setores que mais têm débitos com o GDF e quantos autos de infração sobre ICMS recolhido a menor foram emitidos no período de 2019 a 2021.
Compensação sem dinheiro
Outro “jabuti” incluído pela CLDF é a permissão para uso de crédito acumulado pelos empresários ao longo dos anos com ICMS para compensar na dívida com impostos. As empresas ainda teriam direito aos mesmos benefícios de quem pagaria em dinheiro, conforme as regras comuns do Refis previstas no projeto aprovado: desconto de até 50% do valor principal e de até 99% sobre as multas e os juros.
A empresa usaria uma moeda escritural integralmente (o crédito acumulado) em vez de pagar em dinheiro, enquanto o Distrito Federal daria desconto. Ou seja, em nada contribuiria com aumento da arrecadação, uma vez que não entraria recurso em espécie nos cofres públicos.
O autor da emenda aprovada pela CLDF é o deputado distrital Joaquim Roriz Neto (PL). Por meio da assessoria de imprensa, o parlamentar disse que “o texto em questão refere-se a uma reivindicação do Sindiatacadista, conforme justificado pelo parlamentar em plenário”.
O projeto de lei complementar aprovado pela CLDF no início do mês está em análise no GDF, a quem caberá sancionar ou vetar os artigos do projeto e transformá-lo em lei.
Após a publicação desta reportagem, o presidente do Sindiatacadista-DF, Álvaro Júnior, disse que “o Distrito Federal possui um acúmulo de créditos de ICMS a devolver aos contribuintes do DF, principalmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a obrigação dos Estados de restituir ao contribuinte os valores cobrados em excesso de ICMS calculado na modalidade de substituição tributária”.
“O projeto de reforma tributária em curso inclusive prevê expressamente a obrigação dos Estados devolverem em dinheiro esses créditos após 2032 quando não mais existirá o ICMS”, afirmou.
Fonte: Metrópoles