Os influenciadores precisam ter em mente que o seu poder de influência não está acima do bem e
do mal. Assim como as demais pessoas, todos têm que se submeter à legislação e às autoridades brasileiras, sem exceção. Ao utilizar as suas redes sociais e sua aparição pública em claro descumprimento da ordem judicial, Deolane sentiu na pele a outra face do poder da influência.
No mundo atual, em que as pessoas vivem conectadas e, sobretudo, dependentes psicologicamente de likes e curtidas, aquelas que se propõem a expor quase que 24 horas do dia, em um verdadeiro big brother particular, são percebidas com mais facilidade pela grande massa. Essa percepção lhes rende centenas de milhares de seguidores, os quais, a seu turno, lhes proporcionam rendimentos incomparáveis e inalcançáveis pelas pessoas comuns que buscam uma profissão tradicional e longe das telas.
A perda consentida da privacidade é um preço alto, mas que é recompensada pelo farto rendimento auferido a partir, por exemplo, da divulgação legítima de marcas e produtos a título de publicidade, dentre outras práticas igualmente lícitas.
Até aí não há problema algum. O problema começa quando o uso das redes sociais é voltado a mascarar – ou até potencializar – práticas ilícitas. Nos assentamentos policiais acumulam-se os mais diversos registros, que vão desde falsos coachings-gurus que, por vezes, praticam estelionato materializados em cursos e mentorias de conteúdo raso e desconexos com a proposta apresentada à sua audiência, passando por promotores virtuais de jogos ilícitos, até
alcançar aqueles que usam as redes sociais para realizar lavagem de dinheiro.
O fato é que, nos tempos modernos, tem se formado uma verdadeira legião de influenciadores digitais que, a partir do uso em níveis hipnóticos de gatilhos mentais da aprovação social, autoridade, reciprocidade, dentre outros, exercem influência – inexplicável à luz da racionalidade, diga-se – em relação à sua audiência. É inegável, também, que esse poder da influência serve para alavancar a situação financeira daqueles que se propõem a expor o seu cotidiano – e até mesmo a sua intimidade – nas redes sociais. O veículo utilizado é legítimo, o problema ocorre quando o seu uso serve para ludibriar as pessoas e transgredir as leis do nosso país.
Nesse universo de influenciadores digitais, o caso Deolane tem chamado a atenção da imprensa e atraído olhares daqueles que gastam horas do seu dia aprisionados às redes sociais em busca de endorfina no mundo virtual alheio.
O que se sabe até então é que Deolane está sendo investigada pela prática de lavagem de dinheiro e outros crimes que supostamente foram praticados por ela e outras pessoas e empresas. Em um primeiro momento, ela teve a sua prisão decretada e, após ter sido recolhida ao presídio, teve o seu habeas corpus concedido para converter em prisão domiciliar mediante o uso de tornozeleira eletrônica.
O fundamento utilizado pelo Desembargador para a concessão do habeas corpus foi o fato de que Deolane é mãe de criança de tenra idade, o que, de acordo com a nossa legislação, autorizaria o cumprimento da prisão em regime domiciliar. Tal direito assegurado às grávidas e às mães de crianças menores de 12 anos tem previsão legal desde 2018.
Embora tenha sido libertada no dia 9, Deolane teve sua prisão preventiva novamente decretada no dia 10. A nova decretação se deu em razão do descumprimento de medidas cautelares que impediam a influenciadora de se manifestar sobre o caso tanto nas suas redes sociais, como perante a imprensa.
Ao decretar a segunda prisão preventiva, a juíza do caso consignou que os fundamentos da nova prisão seriam a
necessidade de se assegurar a ordem pública e evitar a obstrução da justiça. A magistrada deixou registrado que, imediatamente após deixar o presídio no dia 9, a influenciadora manifestou-se de forma ofensiva às autoridades policiais que conduzem o caso por meio de entrevista à impressa e postagens em suas redes sociais.
A alegação da influenciadora, segundo a magistrada, é que estaria sendo vítima de abuso de autoridade.
Ao apreciar o pedido de habeas corpus formulado pela influenciadora, o Desembargador Eduardo Guilliod registrou que Deolane não tratou a sua filha com a mesma prioridade e atenção que foi dispensada pela Justiça brasileira.
É importante o registro que a decisão que determinou a nova prisão preventiva está justamente fundamentada no fato de que Deolane “não é pessoa comum e que sua influência é significativa, dado seu alcance com mais de 21 milhões de seguidores nas redes sociais”. E, ao lançar manifestações contrárias à atuação policial, sua intenção é mobilizar a opinião pública a seu favor, com o objetivo de pressionar o sistema judicial e desviar a atenção dos fatos apurados no processo. Agora, para se sair da prisão, Deolane precisar recorrer ao STJ.
O interessante nesse ponto é que o quantitativo de seguidores que Deolane conseguiu amealhar em suas redes sociais, que, em princípio, serviu para lhe trazer altíssimos rendimentos – lícitos ou não, somente os autos do processo judicial poderão dizer -, foi também um dos motivos que serviu de fundamento para a nova
prisão preventiva.
Isto é, se a Deolane fosse uma pessoa sem qualquer exposição nas redes sociais, que não exercesse relevante influência na opinião pública, a história seria outra. A sua manifestação em redes sociais e na imprensa não teria qualquer relevância para a continuidade da investigação.
A influenciadora, assim, experimentou uma outra face do poder da influência. Aquele mesmo poder que a fez tornar-se uma figura pública e transformar a sua realidade financeira, serviu justamente de fundamento para que ela voltasse ao presídio. De novo, o problema não está na ferramenta “rede social” em si, mas sim no uso empregado pela influenciadora.
Os influenciadores precisam ter em mente que o seu poder de influência não está acima do bem e do mal. Assim como as demais pessoas, todos têm que se submeter à legislação e às autoridades brasileiras, sem exceção. Ao utilizar as suas redes sociais e sua aparição pública em claro descumprimento da ordem judicial, Deolane sentiu na pele a outra face do poder da influência.
Fonte: Estadão