Procuradora Renata Marinho O’Reilly Lima toma posse na próxima semana, com desafios para a classe num momento em que o Congresso Nacional discute uma reforma administrativa
Eixo Capital. Renata Marinho O?Reilly Lima – procuradora do DF e presidente da APDF. Biênio 2025-2027 – (crédito: Arquivo pessoal)
A procuradora Renata Marinho O’Reilly Lima, eleita presidente da Associação e do Sindicato dos Procuradores do Distrito Federal para o biênio 2025-2027, toma posse na próxima semana, com desafios para a classe num momento em que o Congresso Nacional discute uma reforma administrativa que pode reduzir direitos. Com a experiência técnica, como advogada pública, e também política por ter exercido o cargo de secretária-adjunta de Desenvolvimento Social, Renata, uma carioca que escolheu Brasília para viver, assume com a meta de reafirmar a importância da Procuradoria-geral do DF e ajudar a fortalecer o papel feminino nos espaços de decisão.
Qual a importância de ter uma mulher na presidência da associação?

A presença de uma mulher na presidência simboliza o reconhecimento da capacidade e do protagonismo feminino na advocacia pública. Mais do que representatividade, é um sinal de que as instituições estão amadurecendo e compreendendo que a diversidade de perspectivas fortalece a nossa atuação. Espero que esse momento sirva de inspiração para que mais mulheres ocupem espaços de liderança e decisão.
Quais são os principais desafios das mulheres na advocacia pública?
O desafio central não é apenas garantir a presença feminina, mas converter essa presença em influência real, permitindo que mulheres ocupem espaços de liderança e decisão. A necessidade de reafirmar nossa autoridade técnica em ambientes historicamente masculinos é constante. Por exemplo, em recente pesquisa da Associação Nacional das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, os dados coletados deixam claro que, apesar de sermos maioria em mais da metade das procuradorias estaduais, ainda ocupamos uma minoria dos cargos de chefia, ou seja, apenas 22%. Essa disparidade mostra que não basta promover a diversidade quantitativa: é fundamental avançar para uma igualdade qualitativa, onde a representação feminina seja acompanhada de oportunidades efetivas de poder e decisão.
Quais são as principais pautas e desafios da classe?
Nossas principais pautas envolvem a defesa das prerrogativas da advocacia pública, a valorização da carreira e o fortalecimento institucional da Procuradoria-Geral do DF. Para isso, mantemos o diálogo permanente com o governo e com o Legislativo e buscamos ampliar o espaço da advocacia pública no debate jurídico nacional, bem como promover o bem-estar dos nossos associados. Entre os desafios atuais, a reforma administrativa em discussão é um tema que exige vigilância e aprofundamento do debate técnico. É necessário o esclarecimento da sociedade sobre os possíveis impactos negativos que uma eventual reforma mal conduzida pode acarretar à prestação do serviço público e à independência técnica das carreiras de Estado. Outra pauta relevante é incorporar soluções de inteligência artificial e aprimorar processos internos, com o objetivo de aumentar a eficiência e oferecer serviços de maior qualidade e agilidade ao cidadão.
Qual é o papel da advocacia pública na defesa do interesse público?
Central. Sem uma advocacia de Estado, as políticas públicas não se implementam e não têm perenidade. Os governos se alternam, mas a Procuradoria do DF vê, a longo prazo, a partir da juridicidade de suas manifestações, o interesse público livre de vieses, quaisquer que sejam, políticos ou partidários ou outros, estando focada na materialização a longo prazo das competências públicas, no atendimento das necessidades sociais. Fazemos um “trabalho silencioso” que faz o Estado funcionar, como já destacou Cármen Lúcia. O trabalho do procurador é o alicerce invisível do Estado de Direito.
Que mudanças recentes no cenário jurídico ou administrativo mais impactaram o trabalho dos procuradores?
O avanço da transformação digital e as reformas normativas recentes exigem uma advocacia pública moderna, ética e inovadora. O mundo mudou — e a advocacia pública está se reinventando para acompanhar essa transformação. O procurador precisa ser mais analítico, propositivo e estratégico. Um exemplo é a recente Reforma Tributária. Atualmente, estamos implantando a transação tributária. Esse campo é o que mais passa por mudanças e afetam diretamente o trabalho dos procuradores, que têm se dedicado para implementar tudo aquilo que, a partir do diálogo com o contribuinte, com a negociação, conciliação e outras medidas, possa trazer aumento da arrecadação, melhor organização administrativa, financeira e tributária para o DF.
Como equilibrar a função técnica e a pressão política no exercício da advocacia pública?
Temos habilidade em diferenciar. A Procuradoria-Geral do DF é conhecida por sua força e compromisso com a Constituição, com a Lei Orgânica do DF e com todos os preceitos legais, dos quais não nos afastamos, por dever de ofício. Mas não podemos perder de vista que somos um elo essencial entre o direito e a implementação das políticas públicas, desenhadas pelos representantes eleitos. A melhor forma de mostrar que nosso compromisso com a legalidade é, por consequência, um compromisso com a proteção de cada um dos gestores públicos é convencê-los que a atuação conjunta com um procurador é motivo de segurança jurídica e fluidez para a implementação de políticas públicas. Não apontamos apenas limites, mas também indicamos caminhos juridicamente seguros para a realização das políticas públicas.
omo a advocacia pública pode contribuir para tornar a administração pública mais ética e transparente?
A transparência nasce da boa assessoria jurídica. Quando a advocacia pública orienta, previne litígios e zela pela legalidade das políticas, ela não apenas defende o Estado — protege a própria credibilidade da gestão pública e fortalece a confiança democrática. Outra faceta é que o assessoramento jurídico deixa de ser apenas reativo para se tornar instrumento de conciliação e solução.
Há iniciativas da associação voltadas ao combate à corrupção ou melhoria da governança pública?
Sim. A advocacia pública é, por natureza, uma barreira contra a corrupção. A defesa da autonomia técnica na implementação das políticas públicas se faz por meio da efetiva implementação de normas de governança e combate a corrupção, de compliance, integridade e padronização de pareceres, além de participar de debates e parcerias institucionais voltadas à boa governança e à eficiência da gestão pública.
Qual a posição da associação sobre a reforma administrativa em discussão no Congresso?
Entendemos a necessidade de modernização da administração pública, até mesmo para adequá-la às novas necessidades do cidadão e à realidade social, mas sem fragilizar o serviço público nem comprometer a estabilidade e a independência técnica dos servidores que atuam em defesa do interesse coletivo. A advocacia pública precisa ser fortalecida, não enfraquecida, pois dela depende a solidez das políticas públicas. A Anape, por exemplo, recentemente externou seu posicionamento a respeito da reforma administrativa, no sentido de que, tal como proposta, representa um ataque ao serviço público e à advocacia pública, uma vez que precariza carreira que é de Estado, desrespeita conquistas históricas e ameaça a própria autonomia federativa.
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