Considerada uma revolução no tratamento do câncer, a imunoterapia, abordagem que treina o sistema de defesa do organismo para atacar a doença, mostrou resultados promissores em pacientes de um dos tumores mais desafiadores para a medicina, o de pâncreas. Em um artigo publicado na revista Nature Medicine, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (Ucla), descreveram como uma vacina experimental desencadeou respostas duradouras, com potencial para prevenir ou adiar a recorrência em pessoas de alto risco.
A substância, chamada ELI-002 2P, tem como foco mutações no gene Kras. Noventa e três por cento dos pacientes de câncer pancreático têm esse perfil genético e, embora a variante seja uma velha conhecida da medicina, no caso desse tipo de tumor, os tratamentos não têm se mostrado eficazes. As alterações nessa proteína promovem o crescimento descontrolado das células e estão associadas a um pior prognóstico.
“O gene Kras é um alvo muito atraente para imunoterapia porque é central para o tumor e não muda ao longo da evolução da doença”, explicou, em nota, a oncologista Eileen O’Reilly, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center e uma das autoras do estudo. “As mutações no Kras são consideradas um dos principais motores do câncer, e os remédios que existem atualmente não curam o paciente, dão o controle temporário. Então, é muito importante ter uma estratégia diferente para atacá-las, como a imunoterapia”, comenta Tiago Kenji, líder da Oncologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo.
Resíduos
O estudo de fase 1 incluiu 25 pacientes de câncer de pâncreas e cinco com tumor colorretal (50% dos casos são associados às mutações no Kras). Todos haviam sido submetidos à cirurgia e ainda tinham resíduos da doença ou traços de DNA cancerígeno no sangue, uma condição frequentemente associada à recidiva.
Os voluntários foram acompanhados por 19,7 meses. Nesse período, a sobrevida livre de recidiva — quando não há retorno da doença — foi de 16,33 meses. A sobrevida global ultrapassou bastante a média histórica em estudos: 28,94 meses. O maior benefício foi observado nos participantes que desenvolveram respostas mais fortes das células de defesa T, específicas para o gene mutante.
“Esse é um avanço promissor para pacientes com cânceres induzidos por Kras, particularmente câncer de pâncreas, onde a recorrência após o tratamento padrão é quase certa e as terapias eficazes são limitadas”, escreveu o primeiro autor do estudo, Zev Wainberg, pesquisador do Ucla Health Jonsson Comprehensive Cancer Center. “Observamos que os pacientes que desenvolveram fortes respostas imunológicas à vacina permaneceram livres da doença e sobreviveram por muito mais tempo do que o esperado.”
Personalização
Uma das particularidades da vacina é que, diferentemente de outras imunoterapias para o câncer, ela não requer personalização. Geralmente, o imunoterápico é fabricado com células do próprio paciente, treinadas para reconhecer e atacar o tumor com maior eficácia. No caso da ELI-002 2P, a substância foi projetada para ser um produto padronizado, sem necessidade de individualização. Assim, caso estudos futuros confirmem sua segurança e eficiência, o tratamento será mais rápido e acessível, acreditam os pesquisadores.
Um dado comemorado pelos autores do estudo é que 84% dos pacientes geraram células T específicas para as mutações Kras. Entre elas, populações das chamadas células auxiliares CD4 (que coordenam o ataque) e das assassinas CD8 (as executoras). Além disso, 67% dos voluntários geraram resposta contra outras mutações tumorais, sugerindo uma atuação mais ampla da vacina.
Segundo o oncologista Márcio Almeida, de Brasília, esse último resultado sugere que a vacina da Ucla poderia beneficiar pacientes de câncer pancreático com outras mutações ou pessoas com as mesmas variantes Kras, mas em outros órgãos. “Cólon e pulmão são candidatos potenciais. A plataforma é tecnicamente adaptável, mas cada novo alvo exige novos estudos”, observou.
“O direcionamento do Kras tem sido considerado um dos desafios mais complexos na terapia do câncer”, disse Wainberg. “Esse estudo mostra que a vacina ELI-002 2P pode treinar o sistema imunológico com segurança e eficácia para reconhecer e combater mutações que causam câncer. Ela oferece uma abordagem promissora para gerar respostas imunes precisas e duradouras sem a complexidade ou o custo de vacinas totalmente personalizadas.”
Fonte: Correio Braziliense